Transição energética no Brasil

Os avanços da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2022 (COP27) ainda não são suficientes para que o mundo consiga limitar o aquecimento global a apenas 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais. Diante do grande desafio de coordenação que a agenda climática impõe, é preciso ir além e pensar nas questões relacionadas à energia em quatro dimensões (4Ds): descarbonização, descentralização, digitalização e disrupção da demanda. 

Essas tendências se aceleram e ganham mais relevância a cada ano, e o Brasil tem vantagens competitivas para figurar como protagonista. No processo de transição energética, o país pode contribuir de diferentes formas, gerando valor global e localmente, se souber investir em tecnologias e infraestrutura para atender a demandas internas e internacionais.

Tecnologias inovadoras, rearranjos políticos e regulatórios, novas linhas de investimento, entre outros aspectos, são fundamentais para que a transição ocorra de forma sustentável. Esse contexto representa um claro desafio que impõe muitas obrigações, mas também cria uma série de oportunidades, como o surgimento de novos mercados, fontes de energia e serviços aos consumidores. Entre desafios e oportunidades, o saldo é positivo. Os setores público e privado, porém, precisam se posicionar logo.

Cenários e investimentos globais em transição energética

A COP27, realizada no Egito em 2022, mostrou, de muitas formas, ser a última chance de os países chegarem a um acordo para manter o aumento da temperatura global em 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais. Porém, mesmo nos cálculos mais otimistas, as metas e propostas assumidas não são suficientes para atingir esse objetivo. As projeções indicam que os países precisarão adotar metas mais agressivas e, principalmente, acelerar a implementação das propostas nos próximos anos. 

A COP26, em 2021, definiu algumas ações-chave para abordar o mercado de carbono, como a regulamentação dos acordos bilaterais entre países. Já a COP27 teve um avanço mais tímido nas discussões sobre o Artigo 6 do Acordo de Paris, que rege o mercado de carbono internacional. Entre os principais resultados da conferência estão questões relativas a:

Na COP26, ficou definido que 5% do valor das operações negociadas entre empresas e ONGs no mercado de carbono internacional seriam destinados ao fundo de adaptação (países em desenvolvimento). A COP27 definiu que um montante de 2% dos créditos vendidos serão cancelados, a fim de criar uma zona tampão e evitar os efeitos da contagem dupla. 

No Brasil, embora haja espaço para amadurecimento, os mercados de carbono já são amplamente explorados, assim como seus benefícios socioambientais. O país tem uma das maiores bolsas de carbono do mundo, que movimenta diariamente cerca de US$ 2,5 milhões com smart contracts de carbono.

O mercado voluntário tem crescido. Estimativas projetam que o país tem potencial para gerar de 360 a 1.200 Mt CO2e de créditos no mercado voluntário em 2030.

Foi criado um grupo de trabalho para tratar do assunto. Formado por representantes de vários países, o comitê de transição deve, até a COP28, fornecer recomendações sobre a operacionalização do fundo, dimensionado inicialmente em um montante anual de US$ 100 bilhões, a serem empregados na prevenção e reconstrução de países vulneráveis expostos a desastres naturais em consequência da mudança climática.

Um relevante grupo de países, que juntos representam mais da metade do PIB global, se comprometeu com um plano para acelerar a descarbonização de cinco setores-chave, que respondem em conjunto por mais de 50% das emissões mundiais de gases de efeito estufa.

Os investimentos globais na transição estão aumentando. Em 2021, cresceram 27% e atingiram US$ 755 bilhões. As energias renováveis e os veículos elétricos representam a maior parte desse valor, com 84%. Segundo a Bloomberg New Energy Finance (BNEF), gastos com transportes eletrificados vão superar os realizados em energias renováveis em 2022.

 

Macrotendências: os 4Ds e as incertezas do cenário atual

A evolução do setor é impulsionada por muito mais do que acordos internacionais e pressões geopolíticas. Tendências de transição e a força dos 4Ds (descarbonização, descentralização, digitalização e disrupção da demanda) são o pano de fundo para profundas transformações no setor energético, em especial, no elétrico.


Descarbonização

Entre as energias limpas para descarbonização, o hidrogênio verde se destaca. A expectativa é que a demanda global aumente dos 71 milhões de toneladas registrados em 2019 para 137 milhões de toneladas em 2040.


Descentralização

Custos de transmissão e distribuição somados à alta volatilidade de preços e ao rápido desenvolvimento tecnológico e comercial da geração solar descentralizada têm acelerado a ampliação de consumidores que produzem, os prossumidores.

O peso da tributação e das idiossincrasias do mercado brasileiro também cria incentivos para projetos de autogeração no comércio e indústria.


Digitalização

No atual cenário de transformação, novos conceitos surgem para apresentar as inovações. Entre eles, destacam-se as usinas virtuais de energia (virtual power plants, em inglês, ou VPPs), que funcionam como usinas capazes de centralizar e otimizar oferta e demanda de energia a fim de maximizar a segurança do sistema, minimizar preços e priorizar fontes de baixa (ou nenhuma) emissão de CO2e.


Disrupção de demanda

Na primeira década de previsão das metas da COP, o foco da transição energética ou da descarbonização era o crescimento das energias renováveis, como eólica e solar. Já a segunda década se apoia na contribuição da eletrificação em curso. Especialmente na Europa, nos Estados Unidos e na China, o número de veículos totalmente elétricos vem crescendo a taxas elevadas. Cientes dessa demanda do mercado, as próprias montadoras planejam ter 100% das suas vendas livres de carbono até 2040.

No Brasil, esse movimento ainda é lento por características regionais – como renda per capita e frota –, mas também segue em curso. A expectativa é chegar a um break even em 2030.

Brasil: riscos e oportunidades

Ao mesmo tempo que impõe uma série de obrigações e exigências, a agenda em curso cria oportunidades que podem ser exploradas tanto no mercado interno quanto no internacional. Exemplos:

  • Novas fontes: como hidrogênio verde, negociação e captura de CO2, biocombustíveis, mercados de capacidade e derivativos;
  •  Novas demandas: como veículos elétricos, selos ESG, novos segmentos de clientes e fundos direcionados; e
  •  Novas tecnologias: como blockchain, eficiência energética, 5G, IoT, eletrificação, modulação de oferta e demanda.

A abundância de recursos naturais no Brasil pode posicionar o país como protagonista da transição energética mundial. Não há dúvidas de que são muitos os benefícios a serem colhidos nesse processo. Mas é preciso observar os pontos de atenção, em que se destacam o desmatamento e o baixo investimento em tecnologias e infraestrutura para atender a demandas internas e internacionais.

Contatos

Daniel Martins

Daniel Martins

Sócio e líder de Energia para Advisory, Strategy& Brazil

Adriano  Correia

Adriano Correia

Sócio e líder da Indústria de Energia e Serviços de Utilidade Pública, PwC Brasil

Tel: 4004 8000

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