Nos últimos cinco anos, as apostas esportivas cresceram em ritmo acelerado no Brasil, mesmo ainda em processo de regulamentação. Elas já representam uma parcela significativa dos gastos das classes mais baixas – o equivalente a 76% das despesas desses grupos com lazer e cultura ou 5% do que gastam com alimentação.
A tendência é de um avanço ainda maior, o que pode ter implicações importantes nos diversos segmentos de consumo.
Essa preocupação é evidenciada pelos dados da pesquisa Hopes and Fears 2024 da PwC, segundo a qual a maioria das famílias no Brasil enfrenta dificuldades financeiras. Apenas 43% delas dizem conseguir pagar todas as contas e ainda ter dinheiro suficiente para poupança, férias e extras, uma melhora em relação a 2023, quando apenas 37% disseram ter dinheiro sobrando no final do mês. No entanto, esse percentual ainda é inferior ao de 2022, quando 45% afirmaram ter essa segurança financeira.
Volume de apostas esportivas foi estimado entre R$ 60 e 100 bilhões em 2023
A maioria dos apostadores são homens, jovens e de classe média baixa
As apostas já representam 1,38% do orçamento familiar nas classes D/E
Em 2024, as apostas podem chegar a 5,5% do valor das despesas com alimentação
“Precisamos estar atentos às novas tendências de mercado e aos novos interesses do consumidor brasileiro, além de refletir sobre como ele pretende investir seu orçamento. Podem existir oportunidades de fidelização, crescimento e novas experiências. No entanto, o que está em jogo, na verdade, é a compreensão de como as apostas esportivas podem afetar a renda final desse consumidor.”
Luciana Medeiros,sócia e líder de Varejo e Consumo da PwC BrasilAs apostas esportivas foram regulamentadas no Brasil em dezembro de 2023, com a Lei 14.790/23, que definiu regras como modelo de tributação, modelo de outorga e restrições de público.
Operando no país desde 2018, o setor, segundo estimativas, movimentou entre R$ 60 e R$ 100 bilhões em 2023. Como parte desse valor passa de perdedores para ganhadores, ele volta a estar disponível na economia para os gastos das famílias. No entanto, boa parte é “reinvestida” em novas apostas e fica presa dentro desse ecossistema. Além disso, a cada aposta, a “Casa” fica com uma taxa (Gross Gaming Revenue – GGR), estimada em aproximadamente 12% do valor apostado.
1 Estimado para 2023.
Os apostadores de esporte on-line são, em sua maioria, homens, jovens e de classe média baixa, com concentração no Sudeste. Segundo dados de setembro de 2023 do Instituto Locomotiva, ao menos 33 milhões de pessoas da população de baixa renda já fizeram apostas esportivas. Entre eles, 22 milhões (20% da população de baixa renda) costumam apostar ao menos uma vez por mês.
O público da Loteria Federal tem um perfil mais masculino, mas, principalmente, mais velho (acima dos 55 anos), se comparado ao público típico das apostas esportivas.
A principal motivação declarada pelos apostadores é “ganhar dinheiro”. Porém, quando ganham, muitas vezes reutilizam o dinheiro em novas apostas. A maioria tem a percepção de que perdeu mais dinheiro do que ganhou ao longo de várias apostas.
De acordo com o Instituto Locomotiva, apenas 36% dos que já ganharam dinheiro com apostas usam o valor com outros gastos. Isso reforça a percepção de que grande parte do turnover (valor total de apostas realizadas) fica dentro do ecossistema das apostas e não volta para a economia para ser gasto em outros setores de consumo.
Ao fazer um exercício de projeção com base na Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2018 do IBGE e nas taxas de crescimento dos diferentes setores de consumo, percebe-se que algumas categorias de gastos foram pressionadas. Isso ocorreu, em grande parte, devido à inflação, que aumentou acima do crescimento da renda (33% vs. 24%). Gastos com lazer, cultura, cuidados pessoais e aquisição de veículos parecem ter sido mais impactados.
Analisando os valores gastos com apostas, porém, nota-se um crescimento de 0,2% para 0,7% da renda familiar (3,5 vezes). Embora a fração pareça ser pouco relevante, essa categoria passa a representar 38% de todo o valor gasto com lazer e cultura (ante 10% em 2018) e 4,4% dos gastos com alimentação (ante 1,5% em 2018).
Segundo dados do Instituto Locomotiva, nas classes C, D e E, parte do dinheiro que costumava ser direcionado para poupança (52% dos respondentes), bares, restaurantes e delivery (48%) são agora usados para as apostas. O mesmo ocorre com compras de roupas e acessórios (43%) e cinemas, teatros e shows (41%).
Fica claro que existe uma redistribuição na alocação de recursos por parte das famílias. Além da redução do poder de compra, o crescimento das bets contribuiu para essa redistribuição.
Fontes: H2 Gambling, UK Gambling Commission, análise Strategy&.
“Entender como as apostas esportivas impactam o comportamento do consumidor é um desafio, uma vez que o cenário é volátil e dinâmico. Precisamos compreender o que os consumidores pensam em relação às apostas esportivas, quais são as suas motivações, preocupações, demandas e consequências, para que possamos ajudar nossos clientes no desenvolvimento de planos estratégicos. A questão das mudanças nos hábitos de consumo decorrentes desse tema traz impactos perenes para as empresas de consumo, varejo, serviços financeiros e, até mesmo, saúde para enfrentar as mudanças advindas dessa nova realidade.”
Gerson Charchat,sócio e líder da Strategy& no Brasil